Janeiro de 2008
No ano do PAN os governos estadual e municipal se ocuparam, por razões imperativas, com ações inevitavelmente pontuais. Tinham que atender problemas e prioridades que não se adiam. Agora, depois do PAN, tem-se um ambiente propício para consolidar rumos, construindo a política pública de segurança que incorpore e integre, de verdade, as ações policiais à gestão da ordem urbana, para que possamos nos beneficiar dos resultados positivos produzidos no presente e superar as dificuldades ou insucessos acumulados desde o passado.
Pode-se entender a atuação dos governos anteriores no Rio de Janeiro quando se enquadra a questão da seguinte forma. Uns tinham políticas de segurança pública sem políticas de policiamento que pudessem enraizar suas prioridades políticas para além da apresentação de “programas” e “planos”. Outros tiveram políticas de policiamento, sem políticas de segurança que lhes emprestassem respaldo, rumo e continuidade. Tiveram ainda aqueles que sem políticas de segurança e de policiamento, renderam-se à passividade reativa do improviso e da sorte, nem sempre generosos, buscando obter algum milagre por meio ações policiais voluntaristas de varejo, fragmentárias e descontinuas.
Num caso e noutro, estes governos privaram-se de formular e pactuar ações sistêmicas e integradas, perdendo de vista iniciativas multisetoriais ou intergovernamentais que, em seu conjunto, pudessem estender no tempo os efeitos que as polícias são, de fato, capazes de produzir. A despeito das boas iniciativas e intenções, sem embargo de resultados pontuais, tanto umas quanto outras ficaram a meio caminho, porque confundiram segurança pública com polícia, ou se paralisavam diante das falsas oposições entre ação policial e ação social, entre polícia e direitos humanos.
O campo da segurança pública ultrapassa as competências, qualidade, intensidade e exclusividade das ações policiais. Diz respeito à administração de conflitos, ou melhor, à gestão pública de riscos e perigos de vitimização, aos quais indivíduos e grupos podem estar expostos em seus espaços e nas suas formas de convivência. Traduz-se na garantia do ir-e-vir, na preservação democrática da ordem local, do lugar onde se vive. Inclui variáveis extra-policiais que se reportam à qualidade de vida tais como a oferta de iluminação e transporte públicos, a coleta regular de lixo, a regularização das formas de ocupação e uso do solo urbano, a manutenção de equipamentos coletivos, a recuperação de vias e espaços coletivos, a administração do trânsito, etc.
A má gestão destes serviços compromete de maneira substantiva a capacidade de pronta resposta das polícias. Ruas mal iluminadas reduzem a visibilidade e ostensividade policiais; áreas sem endereçamento ou com precária urbanização afetam o tempo de resposta da polícia às chamadas emergenciais, consomem mais policiais por km2 e aumentam os riscos das operações policiais; cidadãos que moram em ocupações irregulares e/ou só tem acesso clandestino aos bens urbanos sentem-se também clandestinos aos olhos do Estado e têm medo de ajudar a polícia com informações ou mesmo apresentando-se como testemunhas num inquérito.
Produzir segurança pública é bem mais do que as polícias sozinhas podem fazer. Exige e requer, de fato depende, da cooperação dos cidadãos e das outras agências públicas e civis que prestam serviços essenciais à população. Com a sua mobilização, articulação e ação, alteram-se cenários, contextos e atitudes de risco induzindo, orientando e qualificando o emprego dos recursos policiais. Afinal, o trabalho policial é eficaz apenas na redução de oportunidades de crimes, violências, desordens e incivilidades. Não tem como dar conta das causalidades que motivam estas práticas. Esta é esfera de ação de outros atores e órgãos que inaugura-se na auto-regulação social e se estende até gestão das posturas municipais num dado bairro.
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