sexta-feira, 18 de julho de 2008

O Próximo Prefeito e a Ordem Pública[1]

Jacqueline Muniz

Domício Proença Júnior

Julho de 1996.

Todos os candidatos à prefeitura do Rio de Janeiro têm consciência de que a ordem pública é uma variável chave para suas pretensões eleitorais. A população cobra dos candidatos um posicionamento inequívoco quanto aos problemas de insegurança da Cidade. Para muitos, isto seria um erro de avaliação dos eleitores, desinformados acerca das reais funções do poder municipal e pressionados pelo agravamento do temor. Estariam exigindo do futuro prefeito uma “promessa de campanha”, impossível de ser cumprida por violar suas atribuições constitucionais. Afinal, a redação atual do art. 144, da Constituição Federal, restringe os prefeitos a uma guarda patrimonial desarmada, e delega aos governos estaduais a manutenção da segurança pública.

Mas a população está certa. Suas demandas expressam o amadurecimento no trato das questões relativas à segurança e à ordem. São o debate público. Suas necessidades vão além dos arranjos administrativos vigentes. Colocam na arena política o imperativo de uma nova concepção de ordem pública. Uma perspectiva contemporânea, que incorpore os desafios de uma sociedade democrática em mudança contínua. Que considere as expectativas comunitárias, a ampliação dos direitos individuais e coletivos, a emergência de novos atores urbanos e os registros identitários alternativos do Rio de Janeiro. O que está em pauta é uma mudança de mentalidade, o sensato abandono de uma visão arcaica de segurança pública, identificada unicamente com a ação das polícias.

É fundamental expandir horizontes: buscar reenquadrar o desafio da ordem nas sociedades democráticas, dar conta das necessidades de preservação da lei e da ordem de forma eficaz e eficiente, absorver os impactos da digitalização da economia, da planetarização da logística, do desenraizamento das culturas nacionais, da instantaneidade dos meios de comunicação, da facilidade dos movimentos transfronteiras de pessoas e bens. Reconhecer que a contraparte deste bravo mundo novo é a internacionalização de certas modalidades criminosas e, mesmo, a maturidade de uma “economia das trevas” que trafica indiferentemente drogas, armas, jóias, pessoas, produtos agrícolas, industriais, minérios e informação.

Este cenário conjuga as demandas nascidas na dinâmica local com o contexto de fenômenos globais, e evidencia a necessidade de um reenquadramento amplo. É evidente que se deve buscar articular as expressões locais, regionais, nacionais e internacionais num arranjo capaz de produzir ordem pública democrática. Exige-se uma visão que a perceba como a prestação de um serviço às comunidades, como infraestrutura essencial da sociedade, que ultrapassa a abrangência ou a intensidade da ação policial. Fica claro, hoje, que a preservação da ordem depende fundamentalmente de elementos extra-policiais, como o ambiente comunitário, a manutenção dos equipamentos coletivos e a prestação de serviços de utilidade pública. É inescapável a conclusão de que as configurações atuais de preservação da ordem e de combate ao ilícito privilegiam a ação policial singular, em detrimento de sua orquestração com as comunidades e as agências públicas.

Assim, se subestima a contribuição essencial da administração municipal para a ordem pública. Parte significativa dos recursos e ferramentas para a redução dos índices de criminalidade e desordem estão nas mãos dos prefeitos. Investimentos em infra-estrutura urbana tais como recolhimento regular de lixo, iluminação dos espaços públicos, projetos paisagísticos, recuperação de calçadas, ruas e espaços de lazer, racionalização do trânsito, obras de saneamento básico e fiscalização dos transportes coletivos, são parte integrante de qualquer abordagem moderna para a gestão da ordem pública.

Seria oportuno referenciar estas questões pelo que denominamos uma administração estratégica de ordem pública. Esta seria um enquadramento capaz de, por um lado, dar conta do problema da ordem pública num mundo em que os recursos do Estado são declinantes, as demandas da sociedade são crescentes e em que se exige uma administração moderna que maximize benefícios. Que articule comunidades, agências públicas e as diversas polícias. Mas que, por outro lado, reconheça que a natureza essencial da ação policial é o uso comedido da força, o que exige ações estratégicamente guiadas. Este enquadramento orienta a articulação de arranjos funcionais sistêmicos eficazes, eficientes e efetivos. Revela como seria um formalismo irresponsável querer excluir a prefeitura de uma Cidade como o Rio de Janeiro da tarefa de preservação da ordem pública.

O espaço municipal emerge, assim, como um nexo essencial na orquestração das comunidades com as atividades governamentais voltadas para a gestão democrática da ordem pública. É o Município que possui a responsabilidade mais direta pela qualidade de vida da população em seus aspectos mais básicos. É a Prefeitura que detém as ferramentas e órgãos de serviços públicos mais próximos à vida cotidiana das pessoas. E é o futuro prefeito que terá de persistir na tarefa de orquestrar estes recursos para atender às demandas da Cidade por tranqüilidade e segurança.

[1] Artigo publicado no Jornal O Globo, 31/07/96.

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