Jacqueline Muniz e Domício Proença Júnior
Maio de 1996.
A política de segurança no
Na boa teoria da contra-guerrilha, consideram-se dois aspectos principais. O primeiro é a relevância da dimensão psicossocial que predomina em todos os momentos do conflito. Não é o ato guerrilheiro em si que ameaça a segurança, mas a possibilidade, a perspectiva perene desta ação. Esta expectativa engendra um sentimento generalizado de insegurança que deve ser considerado uma área de ação tão importante quanto as ruas. Numa democracia, isto se traduz por um esforço incansável de se manter a opinião pública adequadamente esclarecida. Sem esta transparência, aceita-se o risco de um agravamento do temor e a conseqüente perda da credibilidade dos órgãos de segurança.
O segundo é a necessidade do uso de índices objetivos de vitória ou derrota, que buscam expressar a materialidade do desenrolar de um conflito. São índices que instruem as avaliações e orientam os planejamentos: o número de inimigos vencidos (mortos, feridos e capturados), o número e tipo das armas perdidas pelo inimigo, a diminuição da atividade-fim que norteia a ação do adversário, o tempo e a qualidade do controle do território. Estes resultados são contrastados com o dispêndio dos meios empregados: as baixas sofridas, os custos da manutenção das forças e de suas operações, os custos da elevação do nível de controle sobre o território. A estes custos diretos se somam ainda os indiretos, os recursos perdidos pela persistência do conflito: as perdas de inocentes (baixas colaterais) e o prejuízo às atividades econômicas e sociais — os efeitos nefastos da ampliação do risco e do sentimento de temor, que afastam investimentos, inibem iniciativas e incrementam as desordens e os distúrbios sociais.
Contrariando o que seria a prática de uma guerra contra o crime igualado à guerrilha, a atual política de segurança não tem adotado, de forma consistente, nem a perspectiva psicossocial nem as ferramentas analíticas de desempenho. A ênfase exclusiva no número de mortos, ainda que de parte a parte, constitui exemplo típico de um emprego superficial do acervo de técnicas da contra-guerrilha. Vale insistir: se a luta contra o “crime organizado” deve ser conduzida em termos bélicos, então é preciso verificar sua consistência com os preceitos bélicos. Isto é: não se pode conduzir o conflito apenas em termos 8das táticas do enfrentamento, sem a análise estratégica e logística das perspectivas de vitória, sem um enquadramento que reconheça as expectativas da população como campo dominante de intervenção. É dizer: a variável saldo de mortos é insuficiente para realizar uma avaliação dos resultados atingidos.
Esta discrepância entre o método e o que vem sendo apresentado como índice suficiente de sucesso contra o “crime organizado” no
Uma avaliação adequada contemplaria os resultados obtidos diante dos custos, à luz das metas. Neste caso, a meta parece ser a de vencer o “crime organizado”. Seguindo a estrutura exposta mais acima, cabe ponderar, aceita a lógica bélica, sobre as seguintes questões:
1).O saldo de mortos reflete um aumento generalizado do nível de atividade de repressão, isto é, espelha um aumento significativo das prisões, apreensões e ganhos de controle territorial sobre o crime?
2).Ou, ao contrário, expressa apenas um aumento da letalidade da ação policial?
3).Como o extermínio não é uma política possível, este incremento de mortes resulta de uma nova ênfase operacional ou de dificuldades de controle no emprego de táticas contra-guerrilheiras no contexto da segurança pública?
4).Houve diminuição da prática criminosa organizada como resultado desta escalada?
5).Houve encarecimento nos preços de drogas e armas como resultado do “custo de risco” da política adotada?
6).Houve recrudescimento de atividades criminais correlatas?
7). Qual foi o efeito desta política sobre as chefias e sobre a tropa do “inimigo”?
8).Houve deserções desde o crime?
9).Desmantelaram-se organizações?
10).Interromperam-se os fluxos do tráfico?
11).Qual é a taxa de eliminação (morte, prisão) do inimigo para cada policial perdido (morto, ferido, incapacitado)?
12).Quais foram as situações táticas típicas?
13).Como se poderia minorar as baixas — de ambos os lados — nos enfrentamentos?
14). As perdas sofridas pelas polícias (mortos, feridos, incapacitados) no combate ou em função dele foram comensuradas com o risco e, em especial, com os resultados obtidos?
15).No nível atual de perdas, o fluxo de reposição das polícias e sua coesão são capazes de sustentar a funcionalidade da instituição e desta política no médio e longo prazos?
16).Quais são os prognósticos gerais de vitória em termos de operações e custos (especialmente, mortes)?
17).Há perspectiva de se vencer o crime? 18).Em que termos? 19).Em que prazo?
Sem respostas a estas perguntas e sem os dados para respondê-las, qualquer avaliação torna-se impossível e qualquer prognóstico, demagógico. A credibilidade da política
É assim que se perde.
[*] Artigo publicado no Jornal do Brasil, 07/05/96.
Um comentário:
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA...
Eu duvido que o Governador, o "Chefe" Beltrame, o Coronel David ou o Coronel Pitta tenham conhecimento ou condições de responder pelo menos 5 destas questões, é simples matam-se negros, pobres, indigentes e favelados, pessoas sem expressão, sem voz e assim se vai levando...já mandou este "Questionário" para as ditas "Autoridades" responderem?!
Sou cada dia mais fã desse blog!
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