sexta-feira, 18 de julho de 2008

Onda de Ataques no Rio de Janeiro e São Paulo - Algumas Notas (*)

Jacqueline Muniz Domício Proença Jr

Janeiro de 2007

Por que os ataques de terror no Rio e em São Paulo se dirigem a agentes da lei e civis?

Grupos criminosos não defendem causa alguma que precise de aliados, ou que aspire a adesão da sociedade. Esses ataques podem servir para chantagear o governo e, com isso, tentar obter alguma coisa, ou para fazer valer supostas acomodações tácitas dentro ou fora das cadeias. São um uso de terror para obter vantagens, quaisquer vantagens. Isso só faz sentido se é claro qual a vantagem se quer, e que se ofereça parar de atacar quando isso for concedido.

Mas pode-se fazer uso do terror sem a perspectiva de que por meio dele se venha a obter alguma vantagem daqueles contra os quais se lançam ataques. Neste caso, usa-se o terror para constituir, reforçar ou ampliar visibilidade e influência: para mostrar-se capaz e “poderoso”. Essa é uma alternativa, um estratagema, de qualquer bando armado sem as bases sociais de sustentação que lhe permitam disputar o poder pela guerra civil ou sequer optar pela guerrilha. Assim, a Ku Klux Klan ou o Exército Republicano Irlandês, o PCC ou o Comando Vermelho podem fazer uso do terror como ferramenta de afirmação de sua existência e instrumento da captação de recursos e adeptos. O nome disso é terrorismo, seja com finalidade político-ideológica ou não. Só se aventura ao terrorismo quando não se tem qualquer perspectiva realista de vir a ocupar, ou mesmo influenciar, o Estado.

Neste sentido, é um grave erro superestimar a real capacidade destes bandos, promovendo-os a alguma forma de “Estado paralelo”. Ceder à retórica que quer descrevê-los assim é render-se ao terrorismo, fazer o jogo dos que optaram pelo terrorismo. É autorizar, sem perceber ou querer, a produção de violência pelo Estado para responder a violência golpe a golpe. É induzir as forças públicas a fazerem, elas mesmas, o uso terrorista do terror, da vendeta e do justiçamento, em que cada contragolpe do Estado caminha para ser espetacular, exemplarista e ineficaz. Esta é a receita perigosa do senso comum para o abandono da Segurança Pública do Estado Democrático de Direito para a construção dos mais diversos arranjos ilegais e alegais de proteção, mais ou menos apropriados privadamente, mais ou menos financiados com recursos públicos, por exemplo, as milícias, que leva à redução da polícia a um grupo armado a mais na disputa pelo provimento de proteção e produção de terror.

Algumas dezenas ou, como se imagina, muitas centenas de criminosos não são mais fortes do que o Estado. O uso do terror, do ataque que busca causar pânico, é um disfarce necessário da fraqueza dos criminosos. Só o espetáculo pode causar pânico e, com isso, promover a percepção generalizada de temor e insegurança, estimular a percepção de uma ameaça onipresente, que induz os cidadãos a se abandonarem aos seus medos, meio - acreditando na existência de um “estado paralelo”. Este é um dos ganhos que se busca com o uso terrorista do terror: parecer mais poderoso do que se é. No contexto brasileiro, essa perspectiva de ganho é realçada pela baixa confiança pública nos órgãos de segurança, pela continuidade da escolha equivocada da falta de transparência de iniciativa e respostas do governo e ainda pela opção inconseqüente por políticas criminais que fazem da repressão um fim em si mesmo.

Para produzir terror, há que produzir o pânico. Para produzir pânico, é necessário o espetáculo. Aí há várias coisas que se combinam: o ataque a desafetos e oponentes se soma ao ataque a alvos de oportunidade ou de grande valor simbólico, e ainda a realização de um número suficiente de ataques para assegurar a sua repercussão.

2. O que os grupos criminosos ganham com isso?

As pessoas para quem se faz o terrorismo não são necessariamente os seus alvos. É algo publicitário, um estratagema. As pessoas que o terrorismo do quer impressionar são outros criminosos. É mostrando que é capaz de atacar a polícia, atacar os civis, que é capaz de causar mortes, que é capaz de levar pânico e produzir a paralisia na vida do Estado do Rio ou de São Paulo, o grupo criminoso está se cacifando para ser chefia de outros grupos. Este é o ganho líquido quando realiza os ataques: induzir a que outros criminosos que não são de uma facção criminosa venham a reconhecer os autores dos ataques como sendo uma liderança capaz, digna de ser seguida.

3. Então estes grupos criminosos são fortes e capazes?

É isso que eles gostariam que o Estado, as autoridades, os cidadãos e, particularmente os criminosos, acreditassem. Mas a questão é que emboscar agentes da lei, especialmente fora de serviço; alvejar as instalações públicas ou privadas; incendiar veículos; ameaçar, ferir ou matar transeuntes não necessita de uma grande força nem de grande capacidade. É só ter armamento e oportunidade.

Isso tem uma conseqüência importante. Devemos ter muito cuidado em não atribuir aos grupos criminosos, ou a quem quer que venha ser apresentado como sendo o autor destes atos, o caráter de uma inteligência central, organizada, deliberada. Atribuir às tragédias do Rio e de São Paulo o caráter da evidência de um “Estado Paralelo” de fato é a retórica perigosa do alarmismo, que contribui e estimula para que estes grupos vejam neste tipo de ataque uma alternativa produtiva de ação. Cabe lembrar que estes grupos não têm projeto político: não quer soberania, não quer o governo. Quer se dar bem. Trafica, rouba, mata, pode mesmo oprimir comunidades e controlar territórios. Mas o faz para auferir ganho e nada mais.

Certamente que uma dada organização criminosa, ou várias, podem ter feito alguns, ou muitos, destes ataques. Mas há vários outros que se aproveitam do fato de que se algo acontecesse na onda destes ataques, então a culpa seria automaticamente do “crime organizado”. Os ataques e as respostas personalistas que são justificadas pelos ataques servem assim para acobertar traições, ajustes de contas, acordos quebrados, vinganças e tudo o mais do interesse dos que atuam na ilegalidade, seja eles criminosos ou mesmo agentes da lei envolvidos nas teias da corrupção. Eles se camuflam e exploram a ação que hoje se atribui às facções criminosas no Rio ou ao PCC. Note que estas facções não se importam com isso, ao contrário. Ocorrem mais ataques do que elas poderiam fazer, e isto dá a impressão de que são mais capazes do que são de fato. Isto tem ainda um efeito indutor: quem se acoberta sob a assinatura das facções pode estar dando o primeiro passo de reconhecê-las como liderança, em enxergar vantagens em se associar mais proximamente.

Tudo isso infla as facções, aumentando o seu poder, permitindo-lhe auferir mais ganhos. No interior das cadeias, por exemplo, o resultado do espetáculo do pânico das ruas, reforçada pela exemplaridade das punições a presos sufoca as reivindicações legítimas dos apenados, subordinando-as e aparelhando-as para os fins dos grupos criminosos. Da mesma forma que oprimem comunidades, oprimem a população carcerária.

4. O que fazer diante dos ataques?

A aleatoriedade e a surpresa dos ataques demandam respostas sistemáticas e previsíveis, transparentes. Mas existe um horizonte de resposta imediata, pautada pela prioridade de se compartilhar a avaliação e decisão do governo com o público, indicando o que são as iniciativas propostas para “impedir” o de novo e afirmar a capacidade de dar pronta resposta se começar “perto de você” que contempla os seguintes motes, minimamente sumarizados:

(i) Existe Governo: Reconhecimento da situação e da responsabilidade por parte do Governador do Estado; expressão de compromisso e explicitação de sua proposta de ação; indicação dos parceiros prioritários e das medidas imediatas, de curto prazo e subseqüentes.

(ii) A Força do Estado Democrático de Direito: Assembléia, Prefeituras, Câmaras, Ministério Público, Judiciários para construção de entendimento, respaldo e desdobramento das ações empreendidas no imediato e pactuação das subseqüentes.

(iii) Primeiro as Vítimas: direcionamento das agências assistenciais para atendimento emergencial das vítimas diretas e indiretas e mobilização de órgãos da sociedade civil para o mesmo fim, incluindo iniciativas e pessoal voluntário.

(iv) Fazer-se Presente e Capaz: visibilidade da presença policial e capacidade de pronta resposta diante de novos ataques e transtornos já produzidos. Isso inclui: ampliar a capacidade ostensiva dos meios de força policiais e de resposta emergencial provisoriamente através da complementação e suplementação de efetivos, revisão de procedimentos e eventualmente complementação de equipamento e material. Isso pode incluir a realocação de pessoal, o pagamento de horas extras, a aceitação de meios de força e outros entes federados e da União, a aquisição de materiais.

(v) Transparência e Cooperação: Estabelecimento de procedimentos de informação, esclarecimento e orientação à população, em parceria com os meios de comunicação além das centrais de atendimento emergencial.

(vi) Quem, o que, onde, por que, quando: Organização de unidade e comando para a análise e avaliação do ocorrido com vistas ao estabelecimento de mecanismos, unidades e procedimentos de prevenção, sistemas de alarme que mobilize a ação conjunta dos agentes do estado e que oriente a população quanto à exposição a riscos e iniciativas preventivas e dissuasórias que pode adotar para reduzir a insegurança, assim como capacidades de resposta pronta a ataques e suas conseqüências.

(vii) Às Barras da Justiça: Idem, processamento e prioridade investigativa dos ataques, suas conseqüências e eventos adicionais a eles associados.

(viii) Ação Legal, Legítima, Transparente: articulação dos instrumentos de controle interno e externo da ação policial para possibilitar o monitoramente e a avaliação.

(ix) De Novo Não: linhas de ação e organização para o curto e médio prazo. Identificação de prioridades e recursos, inteligência, investigação, ação continuada, e estabelecimento de prioridades e procedimentos de antecipação, prevenção e resposta aprendendo com os resultados da resposta imediata.

[*]Publicado no site www.comunidadesegura.org.br em 03 de Janeiro de 2007.

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